segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

o remorso comeu a minha língua

Do que queria te dizer, engulo palavra por palavra. Descem lentas arranhando a garganta, se debatem. Se acumulam no peito, entopem veias. Me parasitam.


Não as digo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Pé ante pé na escuridão. Guiada pelo ruído da respiração dele - já conhecia seu ritmo- dava passos trêmulos, porém decididos.

Aquela falta de luz era tudo o que precisava: não por motivo de escassez de coragem, senão o fato de que aguçava o tato. Adormecia os pensamentos sempre tão inquietos, na claridade estariam agora voando pelo quarto, frenéticos, investigando tudo ao seu alcance. Mas no escuroo, a garota mantinha os braços imóveis ao lado do corpo, apesar da energia que pulsava neles e corria até a ponta dos dedos. Como se antecipassem a pele que estaria logo sob eles.

Agora estava tão próxima que o barulho do respirar dos dois se confundia. Tinha um pouco de receio em movimentar-se e com isso quebrar a esfera de vido que os envolvia.

Tentava decidir-se que parte do corpo dele ansiava por sentir antes. Ombro, costas, rosto, peito em que costumava descansar a cabeça no fim da madrugada?

Mas essas noites já haviam passado. Deu passos lentos para trás, para trás, para trás. Até o ponto seguro em que continuaria desejando aquelas noites tardias de maneira unicamente platônica, mantendo-as imaculadas. Intactas.

Vibrando na ponta de seus dedos.

carnívora

Buenos Aires me sorria irônica com dentes pontiagudos de arranha-céus. Interrompeu com uma longa tosse, que cheirava a combustível queimado e fumaça de qualquer coisa. Pensei que a cidade podia me engolir inteira.

Entre as centenas de pessoas que atravessavam a larga avenida, realmente eu parecia uma pequena partícula perdida em um organismo que não descansava. Sempre faminto.

Todos já haviam sido devorados, sem sequer se dar conta.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

não meu

O reflexo no espelho já não lhe dizia que estava ali. Contava qualquer sorte de histórias - menina pálida de olheiras fundas quase estátua, não era ela. Recorreu a mirada pelo corpo nu em sua frente, que a encarava de volta com um olhar lento e apático, e buscava encontrar-se nele. Estava ali inteira: e se colocava em frente aquela mesma moldura todos os dias, na mesma posição. Mas parecia faltar algo.

Sabia o que era: a mão dele,recorrendo a pele por diferentes caminhos ( que sempre pareciam os certos), apontando cada beleza que encontrava. Ela já não podia ver sozinha, e qualquer outro que tentasse ajudar-lhe soava a seus ouvidos como falso, palavras que distorciam conforme se aproximavam ao corpo, derretiam - era como se falassem de alguém que não ela.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Duas crianças sentadas em um muro. Uma estrela cadente cai do outro lado. Mas elas têm medo de pular.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Depois de tanto argumentar, revirar, apontar. O suspiro longo anuncia a resolução.

Apoia teu corpo ao lado do meu. E não se mova.