terça-feira, 30 de novembro de 2010

Centro de Porto Alegre

É quase um consolo, essa indiferença conjunta. Linda, livre e repugnante.



Posso passar horas observando o movimento, quase hipnotizada, e mesmo assim não entender o mecanismo. O pedinte, jogado ao chão, estende no ar a mão, sem amparo, e nem ele olha para cima, e nem os outros para baixo. Todos os rostos sem face.

É algo que só faz sentido quando se está participando da dinâmica: do lado de fora, parece simplesmente desumano.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

meio centavo por um pensamento ruim

Sou favorável ao estranho: é sempre mais confiável. Do incomum espero tudo, ao que chega já preparo meus velhos conceitos para serem quebrados, talvez substituídos por novos - ao menos há movimento.

O problema é o costumeiro: sempre desconfio de quão legítimo é. Dá a falsa sensação de normalidade, e esse sim é o conceito mais inútil já criado.

sábado, 27 de novembro de 2010

mergulho

Quero velejar. Ter a coragem de viajar milhas sem ter à vista objetivo algum, somente o mar infinito a extender-se no horizonte, e mesmo assim, prosseguir de peito aberto. Minha luneta sem foco, minha bússula sem norte, em uma pirataria às avessas: desconquistarei todas as terras que possuo!

Que as ondas agitadas me embalem em seu movimento urgente, nada a expressar senão a própria dança - que me hipnotiza em suas marés.

Quero minha alma mergulhada naquela água salgada, cheia, e que transborde! Que o sol também encha meus olhos, que me envolva em um clarão sem formas, e que me cegue!

Mar, quero mais é que você me afogue.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

inútil

Um dos prazeres da fotografia é capturar momentos inúteis, que não tem o mínimo valor fora daquele enquadramento.Se for para ser assim, que seja então espontâneo: me contorço, faço de conta, fotografo até flor se for pra despistar meu alvo(e veja bem que odeio estas!) - se isso me der a oportunidade de presenciar aquele bocejo despretensioso ou colecionar mais um rosto sem nome no meio da multidão.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

(não) permanecer




Eu não lhe peço para prometer ficar - é essencial, no entanto, que desejes que isso fosse possível.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Contra-tempo

No corredor que separava os dois lados da avenida, o casal montava um cabo de guerra entre ir e ficar.

-Não me venha com meias-verdades. – o resto das palaras dele foram carregadas pelo ar.

Ela acompanhava o passar dos carros com os olhos, esperando o momento de atravessar. Ouvia as palavras dele, mas também não faziam sentido. Eles não eram assim.

Ele fez menção de pegar na mão dela, com o intuito de obrigá-la a passar para o outro lado, mas esta recuou indiscretamente. Olhou-a com uma sobrancelha arqueada, se negando a acreditar no circo que montaram. Mas estava feito.
- Isso não pode ser sério.
- Me observa então – e ela cruzou os braços, não se preocupando em aparentar infantilidade.
Como que para pontuar a frase dela de forma dramática, um trovão fez-se ouvir, dando inicio a uma chuva de gotas largas e espaçadas.

Quem cederia primeiro? Certamente não o vento, que agitava suas roupas pra lá e para cá incessantemente; nem os veículos, que passavam velozes de ambos os lados; os pedestres então, não percebiam aquele impasse mortal.

No entanto, se algum passante por acaso parasse para notá-los, acharia a cena um tanto tétrica: os dois espremendo-se no canteiro entre as largas avenidas; porém, ao mesmo tempo, procurando, de forma meticulosa, não tocar um no outro. Suas expessões eram tensas, gesticulavam e gritavam frases mudas de ódio, juravam a morte e a planejavam, com requintes de crueldade. Seus olhares se encontravam, ariscos, para então fugirem e voltarem à pose.

Os espaços entre os momentos secos e os molhados apertavam. Ele cruzou os braços também e deixou escapar um grunido emburrado entre os dentes. A chuva persistia, cada vez mais cerrada. Ela arrepiava-se de frio conforme a água deslizava para dentro de seu casaco; ele queria esquentar as mãos nas costas dela, por dentro de sua blusa.

Após muito tremerem,centenas de carros passarem,infinitos pensamentos de vingança cruzarem suas mentes; estavam ambos na calçada do outro lado, agarrados, como se nunca tivessem se soltado. Talvez nem lembrassem o motivo da discussão. Agora, podiam até sentir o sol, que voltara, começar a secar suas roupas.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

desvio




Só para lembrar que, conforme o por mim planejado desde o início, este blog é exclusivamente sobre fotografia.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

lack of colour

Acordei com essa sensação urgente ao redor do meu pescoço, de sufoco. Sentei-me rápido na cama, arfando, tentando em grandes goles capturar o ar ao meu redor, o peito projetando-se instantaneamente para frente. O braço esticado alcançou a janela e escancarou-a; mas ao invés do refresco, senti o calor. O céu estava estático e de uma cor de nada em particular.

Meus olhos encheram-se desse reflexo do nada. Abri e fechei a boca, em gestos inúteis, espasmava, de forma tola. Não sabia também gritar. Meu corpo pesou de volta ao colchão, afundando em meio às cobertas, inerte.

Senti, então, algo pesado passando pela minha garganta, lento, rastejando pelo meu corpo como um verme– a quantidade era pequena demais para encher meus pulmões, mas grande o suficiente para que eu continuasse consciente.

Tudo que via era o escuro teto, com sua indiferença de teto. Passei as mãos pelo colo, pelo pescoço e rosto, mas não havia o que encontrar. Livrei-me das roupas de cama; das minhas, também. Queria, o que quer que fosse, fora de mim naquele exato instante - pensamentos que não eram meus agora tomavam lugar. Abri a gaveta da cabeceira e tateei até encontrar a tesoura, levei-a ao meu cabelo e, em um gesto firme, livrei-me deste também. Me livraria de minha própria pele, se possível.

Levantei-me, procurando fugir do contato imediato de qualquer coisa. Onde está, onde está, há algo há algo sei que há algo em algum lugar sei que está. Com um clic, liguei o interruptor. A atmosfera se suspendeu só para a seguir chocar-se com o chão. Não havia nada, afinal, só meu corpo recuado contra a parede, trêmulo e só. Isto e minha garganta, sufocada neste nada.

domingo, 7 de novembro de 2010

Im not there




Hoje próximo a mim no onibus, havia um senhor que falava alto sozinho. Discursava e argumentava exasperado: “mas é ai que você se engana! Não foi assim que aconteceu, lembra, tens que olhar por outra perspectiva!” Na verdade, sozinho era tudo que ele não estava. Sentia tanto a necessidade de alguém, que arranjara uma maneira de levar esta pessoa junto com ele.
Todos o olhavam pelo canto do olho, constrangidos, eu, porém, não quis interromper a conversa e continuei com a minha - mas em voz baixa.


A ironia em deixar alguém se aproximar tanto ao ponto de tê-lo sob sua pele é essa: uma vez que o outro ausente, o corpo, agora sozinho, perde o propósito. Sobra somente o eco, que é aquele que persegue indefinidamente, mas nunca alcança.



Já diria o Leandro: uma piscina vazia pode ser metáfora para quase tudo na vida.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Abri meus olhos para encontrar os teus, cerrados. O sol, alto no céu, fazia deitar sombras que desenhavam no seu rosto o contorno dos cachos de cabelo que lhe caiam à testa, fiquei observando-os, tentando encontrar padrões. Me distraí, então, no desenho dos teus cílios alongados.

-Eu sei que tu tá de olhos abertos. – você falou, pelo canto da boca, sem desgrudar os lábios dos meus.

- Ah, to nada. – ambos sabiam que se tratava de uma mentira. Você fingiu não se importar.

Passei do seu rosto ao casal ao fundo, me perguntando se éramos semelhantes a eles. Estavam enroscados em uma posição estranha: deitados na grama, a moça com o queixo apoiado no peito do namorado, que subia e descia com a respiração, entrecortando o fluxo de olhares. Eram; no entanto, persistentes, ele entortava a cabeça ao que ela esticava o pescoço, tudo para voltarem a trocar as faíscas e suspiros.

Detestei-os e achei-os estúpidos. Trocando juras de amor que os fariam melhores do que eram, exceto de que não eram melhores e nem piores por elas. Alienados a tudo ao seu redor, aproveitavam de maneira despreocupada o momento - para cada beijo que os aproximava, davam um que os afastava; contudo, estavam alheios a tudo isto.
Invejei-os. Fechei os olhos e pude sentir seus lábios, entre os meus, formarem um sorriso.




P.S.: A foto faz parte de uma série que tirei em Buenos Aires, de pessoas desconhecidas (para mim). Pedi a esse moço para tirar uma foto dele e ele, rápido, disse: "Ela pode sair junto?". Concordei, ele, mais rápido ainda, puxou-a para perto e sorriram para a câmera.