quarta-feira, 11 de abril de 2012

A garota e seu pássaro

Plumas e vôo e um baque seco na calçada da avenida mais larga do mundo. Atraiu a atenção de todos - olharam para o chão e desviaram logo daquela visão grotesca e seguiram seus caminhos. Uma só pessoa parou. A garota estava a uma quadra do consultório de sua psiquiatra e espiou por debaixo da aba de sua boina. Daquele pequeno pedaço de concreto manchado de sangue, olhos assustados e largos como a venida a olhavam de volta.
O movimento seguia, esbarravam nos ombros da garota sem que ela notasse. Era como se houvesse uma esfera inquebrável. Já tinha o pássaro na mão junto ao peito. Lhe sussurou no ouvido algo que ninguém mais na avenida mais larga do mundo pode ouvir. Se fizeram uma jura, protegeriam um ao outro.
Foi à sua consulta, a psiquiatra a escutava e lhe devolvia uma expressão que imaginava ser de compreensão - mas a verdade é que estava falando com seu passarinho. Lhe contou os segredos mais diversos e este não precisou fazer nada para que ela se sentisse compreendida. Afundava seus dedos entre as penas enquanto falava.
Ao sair do prédio, lembrou-se que não podia levá-la para casa. Desesperada, pensou: Buenos Aires era feita toda de concreto, até as arvores eram cercadas e etiquetadas. Não podia deixá-la ali. Com sua dupla escondida sob o casaco, caminhou as ruas numa ânsia que só ela entendia. Só ela havia se importado com um dos muitos pássaros que se debatiam no ar e caiam ensanguentados no chão arfando até serem pisoteados. Sabia o porquê.
Pensou em alguém para ajudar-lhe. Alguém que já lhe havia recolhido um dia de uma calçada. Lhe bateu à porta e falou com o interfone, uma conversa entrecortada pelo barulho de um caminhão de lixo. Não entendia muito do que lhe dizia a voz do outro lado do aparelho - entendeu, porém, que o animal era seu e não dele.
Seguiu o caminho. Cada um recolhe o que quer da rua: ela tinha um pássaro ferido junto ao peito. Sabia o porquê.
Numa praça escura, com grupos de jovens e de pessoas que preferia não olhar, buscou uma árvore afastada. Sabia quão tola era, mas sentia-se atada ao animal morto que carregava e naquele instante sua ação lhe parecia a única coisa importante. Ao abrir as mãos, encara seu tesouro: já tinha os olhos fechados e o pescoço retorcido. Suas plumas seguiam macias. Macias demais.
Um buraco improvisado, unhas sujas e terra. Tinha seu pequeno enterro feito para um pequeno animal. Ou dois se quisesse. Ao colocar a ave no chão, já não lhe parecia sua, apesar de terem o mesmo nome.
Foi embora com uma pena suja de terra no bolso, sabendo que a carregaria consigo sempre.

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