sábado, 23 de outubro de 2010

meias-palavras



Remexeu-se na cadeira, inquieta.

-Tu tá estranha.

Ela deu de ombros e encolheu-se dentro da camiseta para se aquecer, o tecido cheirava a sono.

-Sério, tá mesmo.

-Eu sou estranha, tu é estranho, isso de eu e tu é estranho, o mundo é estranho.

- Não acha que tu vai conseguir mudar de assunto.

Ela tirou os olhos do chão para pousá-los no rosto à sua frente e riu nervosa: tinha sido descoberta.

- É só que..que...

As palavras estavam lá, mas a claridade do dia a intimidava. Fechou os olhos e começou a falar antes que tivesse uma chance de ser interrompida.

- Sabe que couve-flor foi algo que eu sempre gostei: sem tempero; ou na salada, talvez na massa, melhor de tudo é quente depois de feita, mas vai até mesmo crua. Mas daí tem brócolis, que eu olho e acho que gosto, sempre me dá vontade de provar, mas vai saber entende?E não tem como voltar no tempo depois, é o tipo de coisa que não tem como fingir que não aconteceu- ela buscou rápido por folego e concluiu - Acho que seria uma traição com a couve-flor trocá-la por algo incerto que eu nem sei se funcionaria.

Céus, como ela consegue complicar tanto; ele pensou divertindo-se. Um silêncio constrastante pairava. Nunca uma cadeira foi tão desconfortável, ela respirou fundo novamante:

-Sim, tu não concorda? Fiquei em duvida de te falar porque talvez não devesse e seja desnecessário, do tipo, é só salada sabe... Mas, eu ao menos, acho que se trata de questao que deve ser levada com seried..

Os dedos dele calaram seus lábios e uma expressão de criança emburrada tomou lugar no rosto dela, para depois transformar-se em vergonha.

-Acho que as vezes eu falo demais. Por favor, faz eu parar de me constranger com besteiras e fala algo.

-Eu gosto de brócolis.

Falavam a mesma língua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário