quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Limiar



O barulho da chuva e as cobertas espessas formavam a propícia dupla pra o sono. Ela não conseguia, no entanto, se entregar a este. Se encolhia entre os braços daquele que estava ao seu lado, adormecido, e acompanhava, atenta, o subir e descer de sua preguiçosa respiração.

As gotas chocavam-se contra o telhado, parecendo cada vez mais próximas. Roçou seu rosto no dele. Afastou-se. Se fechasse os olhos, podia visualizar a água escorrendo em filetes pela janela, iluminada pela luz amarela daquele único poste na rua. Reaproximou-se e ficou algum tempo desenhando, com a ponta dos dedos, contornos do perfil do vulto imerso no sono - leve para que ele não acordasse, mas com alguma pressão, esperando que seu toque pudesse invadir os devaneios noturnos do outro.

Uma sensação de arrepio percorreu seu corpo quando a pequena esfera de água atingiu seu rosto. E outra. E mais outra. Goteira se multiplicavam pelo quarto, e ela não podia se importar menos. Preencheu os espaços entre os corpos e entrelaçou os dedos nos cachos do cabelo dele. No limite entre o real e o surrealismo, a cama velejava sobre o mar formado pelas gotas da chuva. Podia ver as horas passando lentas entre um e outro fechar de olhos.. esse despertar parcial a agradava: podia levar o quarto para seus sonhos e invadir os d'ele.

Seus olhos pesavam...Os moveis sem forma deram lugar a uma névoa disforme, de onde centauros e outras criaturas fantasiosas escaparam : acordou exasperada, ainda ouvindo os cascos galopando pelo assoalho do cômodo. Procurou urgente a pele sob a sua e, então, tranquila, voltou a ao abraço.

Quando já cansava de seus delírios, os dele preencheram as paredes do quarto com galhos retorcidos que escalavam até o teto, formando uma abóbada verde sob o leito que balançava na suave maré que haviam criado.

Entre os sonhos intercalados, atravessaram a noite.

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