domingo, 12 de dezembro de 2010

nem tão estranho

O ar fluia em círculos pelo quarto: dançava até encontrar as paredes que o mandavam de volta ao centro do cômodo em forma de ondas. Ela, sentada sobre o emaranhado de cobertores que formava uma mistura de têxturas e cores (impossível de ter sido planejada), respirava a atmosfera em silêncio.

A familiridade daquele cheiro, da luz que os cumprimentava no início do dia ao invadir as pequenas frestas da persiana, dos livros que não eram seus - mas que ela já decorara todos os títulos... Tudo ia aos poucos encontrando lugar em sua memória sem que ela percebesse e, quando encontrava algo que fora trocado de lugar, se surpreendia por notar.

O pato amarelo de plástico a encarava do alto da prateleira, aquele ridículo adorno, e agora ela não precisava fingir simpatia ao mesmo: mostrou-lhe a língua. Inalcançável ave, que, secretamente, ela desejava esconder nas profundezas de uma gaveta, longe de qualquer olhar que pudesse desvendá-la. No entanto, aquilo não lhe pertencia, tinha de engolir aquela afronta em forma de desaforo. Quem, afinal, usaria tal animal detestável como enfeite?

Com um estalido, a porta abriu-se para trazer o elemento que faltava àquele quadro, o ar tornava-se ainda mais concentrado de todas aquelas essências. A verdade atingiu-lhe, súbita: gostava do ridículo marreco, com seu bobo brilho amarelo tão particular. Talvez - e isso agora lhe parecia deveras formidável - ela também fosse uma peça daquele ambiente, tão tola com seu cabelo rosa e suas meias coloridas. Pode jurar escutar um "quack" de aprovação e riu sozinha, tranquila.

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